Αποκάλυψη του Ιωάννη




Vejam a grande casa morta, o enorme buraco do Céu, o lugar estéril de todos os meus campos!...

Tu sabes que eu buscava a Desolação, mas nada que se assemelhasse a isto, pois, como qualquer homem, chegara a recear o meu próprio fim. E, se em vão, lhe tinha encenado paliativos e desvios, já em mim corria o inexorável declínio das Eras, da Idade de Ouro e Prata até os sombrios anos do Ferro, do Estanho e da Cinza. E as minhas sensações ainda eram aí tão excelentes, e extremadas, que eu não acreditara em que um dia tudo isso viesse a suceder. Mas o Tempo é uma espantosa masmorra, e o Mundo um vale de sombras, no qual, em vão, lutamos pela claridade. E, ainda que morrer apenas fosse perdermos o Presente, eu devera querer ser tudo e todos, em simultaneidade, e para sempre!...

Agora, o calor de novo nos torna o litoral excessivo. Cresce e acumula-se, e volta a devorar a paisagem com o seu peso, e logo se confunde nas camadas sufocantes da luz rasa desta brutal sedimentação de sensações. E eu já sabia que, como com todos os tempos equívocos, iria ser num dia assim ambíguo que tudo se devesse consumar, mas numa hora deveras inexpressiva, porventura sem quaisquer presságios, e semelhada a uma falsa serenidade. E, então, já teria de ser o próprio Tempo que nos parecesse cessar, mas um Tempo lento, de mente demasiado vazia, ou obscuramente repleta, de eventos. O tempo de quando o próprio coração dos homens, de novo, se pareceu querer esquecer da sua memória, para se voltar a tornar vago e inaugural. O tempo duro da quarta hora, a hora de Saturno, a hora propícia para todas as experiências do Ódio, da Inimizade e da Discórdia. E nós justamente singramos no momento de tal século, o Aberrante, por antonomásia, e nem sequer esperamos hoje a pausa de qualquer novo eclipse, pois já sabemos que rapidamente irão tornar o Terror e o Espanto, bárbaros filhos de Ares, e a Guerra se voltará a instalar entre nós.

Tu, Tempo do tempo, tu sabes que eu apenas respeito a ordem ditada pelo Fascínio, e pouco lugar nos resta agora para corações magnânimos. Pois eu sei que para todos aqueles que, como eu, se encontram do lado errado da barricada, em pleno universo pagão, este Apocalipse se assemelhará a uma segunda morte, a dura morte dos próprios mortos. E, contudo, como Salústio, também não ignoro que apenas deverá ser a beleza dos corpos, e não a sua perpétua existência, o que aí logrará perecer.

Crer, para ver. Tu, Que sondas os rins e os corações, eu quero que aqui me abras as portas da distância. Que eu venho a Ti, porquanto desejo ver. Dá-me agora, pois, o dia em que cessarão esses enormes ruídos mecânicos dos ares, para apenas reinarem, num primordial silêncio, de cerradas atmosferas e inquietas temperaturas plúmbeas, os mais devastados meteoros e asterismos. Isso, dá-mo!... Porque eu quero todo esse mundo, que odeia a luminosidade, tanto quanto deveras anseio pelo furor da Matéria!... Isso, faz-me ouvir o clamor de cada fenómeno, a relembrar-nos, bem para além da sua própria melopeia, a grave questão tímbrica do seu carácter, único e inimitável!... Ah, que nem vocês imaginam tudo aquilo que eu desejava presenciar!...

Também os Céus se recobriram agora de acidentes, e toda a Terra já se escreve à imagem celeste. E cada cataclismo fere aqui o lugar de autênticas cartas estelares, e com ele desaparecem todos os símbolos maiores das constelações. E, então, eu finalmente vi, e pude relembrar Artemidoro e João, mas já despojados dos seus raciocínios, e mergulhados em sideradas metáforas da Analogia, e compreender todo o monstruoso fulminar destes astros noturnos, devorados em irracionais Parélios, Meteoritos, na própria Estrela Fugaz, em Planetas de Cabeleira e desamparadas Luas de Barbas... Pois, então, também a abóbada maciça dos Céus iria ter de desaparecer, e os astros deixarem de brilhar, o crepúsculo lunar permanecer escondido, a Terra inteira dever vacilar nos seus alicerces, e tudo ser banhado pelo maior esplendor dos raios. E assim seria que, de novo, nós nos deveríamos sentir irremediavelmente perdidos.

Imperam hoje as paixões, e as imagens que se percebem nem sequer expressam qualquer predição do Futuro, mas meras rememorações de um real presente. Que o Tempo é áureo de irreversibilidades, e esta hora, o fim da Hora Final. E nós, que alcançámos perder aqui a Salvação escatológica, também já sabemos que este Apocalipse não nos chegará a ser total, pois que, de Elêusis, ainda nos fica, imensa e pletórica, a esperança do Renascer do Genérico, que não do particular.

Jaz Plutão na fronteira de uma luz extinta. Em seu redor, obscuro Caronte, gravita-lhe a pesada lua de um planeta de sombras. Dura-lhe o dia mais do que o ano, as trevas, mais do que a noite, e, em Plutão, o silêncio nem sequer agora finda. Subterrâneos, lhe são os deuses, e avessos quaisquer destinos. Nele, mais do que crepusculares, coisas poucas reconhecemos, que ora nos façam ansiar ver para além de tais profundidades, pois, um dia, os astros tornarão a conjugar-se numa mesma forma simples, onde tudo será similar, e João voltará a sentar-se, em Patmos, para redigir a sua Revelação, e também eu tornarei a sentar-me aqui, a escrever este texto, num Tempo, cujo ciclo será vizinho do infinito, e, então, nós igualmente voltaremos.


Luís Alves da Costa, 1994